sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Mesmo aos 30 anos, nem todas são balzaquianas

Foto da capa do livro, tirada com meu celular.

Quem nunca teve suas crises ou ainda terá, em diversas idades, fases, pelos mais variados motivos? Entretanto, existem algumas situações que não são necessariamente crises, mas sim, reflexões mais profundas e prolongadas. Ao atingirmos certas idades na vida, repassamos lembranças e ponderamos nossos feitos para nos ajudar a traçar novos objetivos, procurar corrigir atos, compensar ou apenas nos arrepender de algo. Pois bem, este começo existencial está relacionado ao mais recente livro lido, o qual me fez pensar numa proposta talvez não completamente absorvida, feita pelo autor.

Muitos já devem ter ouvido que o termo “balzaquiana” refere-se às mulheres com seus 30 anos de idade, e que, ao ser pronunciado de maneira romanceada e alusiva, é tido quase como um elogio renascentista – se colocarmos as pinturas daquela época como parâmetro. Bem, eu também ouvia esta sonoridade na palavra e, talvez ela seja dita neste tom para amenizar a idade, considerada por alguns como sendo o princípio do fim, a declínio da juventude, pesada apenas nos ombros femininos.

Após a leitura da obra "A Mulher de Trinta Anos", escrita pelo consagrado Honoré de Balzac, mudei minha opinião a respeito disso. No romance, a protagonista Marquesa Julie D’Aiglemont tem uma juventude como a maioria de nós: pautada em romances idealizados, acreditando num final feliz com o príncipe encantado. Descartando a advertência do velho e experiente pai, ela segue cegamente seu coração e casa-se com aquele, o qual julga ser o homem de sua vida. A partir daí, seu amadurecimento molda aquela mulher, pintada por Balzac, com o estereótipo de alguém a frente de seu tempo, rejeitando internamente costumes conservadores e sofrendo as consequências cruéis de uma vida triste, nos conflitos de suas questões.

A tal mulher exibida por Balzac é insatisfeita, melancólica, questionadora e não aceita as condições das escolhas tomadas por si, ao mesmo tempo que foram impostas pela abdicação de felicidades em nome da honra familiar. Aos trinta anos, Julie encontra-se na encruzilhada de uma passagem contraditória em que se é jovem demais para ser velha, e experiente demais para se portar como uma adolescente tola. Nesta fase de sua vida encontrou um novo amor, e mesmo num casamento infeliz, não permitiu entregar-se a este romance de corpo e alma, em nome de sua filha. Os conflitos internos ora solitários, ora divididos com seu amante, a distingue da boa moça, esposa perfeita e mãe exemplar – papel volta e meia atribuído como ideal às mulheres até os dias atuais.

Honoré de Balzac demonstra a imperfeição nas intimidades tumultuadas, que por vezes, são bem escondidas por uma fachada forjada aos olhares da sociedade. Portanto, a meu ver, o termo “balzaquiana” talvez refira-se a esta força feminina voltada às mulheres já vividas e com algumas cicatrizes em seus corações, às mulheres que não mais se encantam apenas com a beleza externa, às mulheres que questionam a si mesmas, suas escolhas e à sociedade a sua volta. Uma história que, apesar de triste e relativamente complicada, revela o poder da maturidade exercido em sua protagonista, demonstrando a vanguarda em criar uma personagem não idealizada em perfeições inalcançáveis.

Apesar de retratar o lado sombrio da Marquesa D’Aiglemont, Balzac elogia cada detalhe que compõe essa beleza, muito mais pela alma sofrida que se constrói em suas questões existenciais, somadas às lágrimas de um coração buscando a felicidade em meio às inúmeras hipocrisias que a cercam no dia a dia. A moça sonhadora se torna a mulher de trinta anos questionadora que analisa seus passos dados, para ser uma velha sábia e arrependida, culpando-se por situações muito além daquilo que realmente a pertence – assim é o esboço da história.

Ao expor essa personagem, faz uma crítica à sociedade da época e questiona qual o papel da mulher, inserida neste contexto. O livro é denso, cheio de metáforas e ironias fora do nosso tempo, mesmo soando atuais em certos aspectos. Alguns trechos foi preciso ler mais de uma vez, recorrendo aqui e ali por um complemento  refrescante, para auxiliar na compreensão. Após o término do romance, aqueles momentos de reflexão nos quais organizamos as ideias, para de fato sabermos se entendemos, o que entendemos e o que achamos disso.

Um desafio positivo fazendo-nos perceber que no século XIX, já se dava voz à uma mulher moderna, discordando com as imposições de uma sociedade conservadora e ao mesmo tempo inovadora, importante em muitos avanços, por diversos motivos, como estampa a história dos franceses – para eles e para o mundo. Certamente, é um livro que ajuda a abrir a mente, talvez por sua dificuldade, pelo não óbvio, pelo estranhamento, pelo afastamento de tal realidade, pela comparação feita com as mulheres da sociedade de hoje.

Apesar de não ver a reflexão acima como uma resenha, e sim, algo sobre o qual apenas senti a necessidade de discorrer para amenizar o cutucão deixado pelo livro, recomendo a leitura; não apenas às balzaquianas propriamente ditas, mas a todos que quiserem conhecer mais um clássico e tentar entender o porque ele é tido como tal. Espero ter conseguido, pelo menos em partes.