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Fonte da Imagem: http://www.filosofiaclinicasc.com.br/artigo/discurso-incompleto-211 |
Há pouco, recebi uma mensagem pelo WhatsApp que deveria ter
sido engraçada e, felizmente (sim, foi positivo), germinou uma semente na minha
cabeça. Agora, cá estou eu, tentando fazer algo bom com essa inspiração.
Acredito que muitos já devem ter lido por aí o tal do ‘conto
de fadas mais curto do mundo’ cuja história é a seguinte: “Era uma vez um rapaz
que pediu a mão de uma linda garota: ‘Você quer se casar comigo?’ - disse o
jovem. ‘Não!’ – respondeu a moça. E o garoto viveu feliz para sempre. Foi
pescar, jogou futebol, conheceu muitas outras garotas, comeu todas, visitou
muitos lugares, estava sempre sorrindo e de bom humor. Nunca lhe faltava grana;
bebia cerveja com os amigos sempre que estava com vontade e ninguém mandava
nele. A moça teve celulite, varizes, engordou, os peitos caíram, ficou sozinha
e se fodeu.”
Bem, vamos por partes, pois tem muita coisa a ser dita. Em
primeiro lugar, o conto em questão tem o humor tipicamente machista, daquelas
mesmas histórias e piadas de sempre. Ok, até aí, nada de novo. Houve, acima, um
dos lados de quem contou a história. Agora, também com humor, somado à uma pitada
de sarcasmo feminino, peguemos a mesma história, criada com as palavras do
narrador que se vê triunfado e, convido-lhes para perceber a ótica da outra
personagem – a.k.a Vaca Que Disse Não.
Confesso, fiquei com um pouco de raiva ao ler e na hora,
reescrevi a história. Na minha versão, bem mais legal, adivinha quem ficou
pançudo, fodido, arrependido, sozinho, seboso e escroto no final? Pois sim.
Contudo, logo percebi que isso não passava de uma vingancinha momentânea e
infanta. Foi então, que... Há!
Sem querer alimentar a eterna “guerra dos sexos”, mas já
fazendo isso, porque na real, a gente gosta (homens e mulheres). Existe algo em nossa sociedade atual chamada: direitos. Por vezes,
em piadas machistas, estes homens se esquecem de algo muito simples quando se
trata das mulheres que são satirizadas – o direito de escolha. Antes de qualquer
coisa, a mulher (seja esta, ou outra moça), tem o direito de escolher se QUER
ou NÃO se casar – independente dos motivos. E, às leitoras, conto-lhes, relendo
a história, talvez tenha entendido o que nossa amiga pensou. Se prepara para o
momento filosófico do dia, e viva o ócio criativo.
Uma das teorias, as quais podem tê-la feito recusar o pedido
de casamento, é assim: O fato do rapaz ter levado um “não” na cara o fez desistir
de um de seus objetivos maiores – casar-se com o suposto amor de sua vida. Após
o ocorrido, ele passou a agir feito um galinha bêbado e imaturo, demonstrando
nada além de sua incapacidade de lidar com situações de inconformidade.
Dificuldade de superar obstáculos, pessoas que sempre estão no “play safe” e se
conformam com qualquer merda – isso é um problema. Imaginem o quanto ela iria
sofrer com esse cara. A sessão que seria para eles conseguirem andar pra frente,
seja em seus relacionamentos, na vida, para ele progredir em sua carreira
profissional, terem um filho, ampliarem o apartamento ou a cada upgrade que a vida lhes propusesse.
Outra coisa, talvez a menina seria uma corna, coitada. O
jovem demonstrou que, como vários por aí, cultiva o vulgarmente chamado “instinto
primitivo de macho”, cuja masculinidade é medida pelo número de parceiras. Portanto,
caso ela escolhesse viver assim, estariam constantemente em pé de guerra, brigando,
sempre desconfiada dos lugares onde ele iria para afogar suas mágoas na bebida,
ou o ganso em lagoas alheias. Mas, ah, claro que com você, ele jamais faria
isso por ser diferente dos outros. Talvez, seja o medo dele ser “domado” por um
ser do sexo oposto - visto passagem da história contada por ele mesmo, na qual
lemos: “bebia cerveja com os amigos sempre que estava com vontade e ninguém
mandava nele”. Até onde eu aprendi, se entendi o conteúdo, Freud chama isso de
ato falho. Ops!
Pergunto também: como poderia ele estar sempre com dinheiro se
estava o tempo todo viajando, ‘pegando todas’ e bebendo? Para fazer tudo isso
ainda jovem: ou ele já tinha din-din, vindo dum “paitrocínio”, ou teve a sorte
grande de ganhar na mega sena, ou teve que passar bons anos trabalhando até
conquistar a grana para poder fazer todas essas coisas quando bem entendesse e,
quando pôde desfrutar disso, já havia deixado de ser o novinho pegador. Passou
a ser um tiozão descolado, em companhia de uma molecada bacana, já que a
maioria de seus amigos tiozões tinham suas esposas para dar satisfação.
Voltando à nossa amiga, acho que ela fez muito bem em ter dito
não àquele rapaz. Previu dores de cabeça,
as quais ela não estava disposta a enfrentar. Isso demonstra sua inteligência,
bem como objetivos e metas diferentes das esperadas pelo garoto. Nada contra
aproveitar a juventude, beber até cair, passar o rodo, farrear... Mas se ele, na
verdade, queria continuar festando com os amigos, poderia ter esperado um pouco
mais para ter pedido a moça em casamento. Ele não deveria tê-la culpado, tentando
amaldiçoá-la com um fim trágico daquele. Foi ele quem escolheu arriscar.
Quanto àquela moça, ora, duvido que tenha ficado sozinha. E
se, ela conheceu um homem já sabendo o que queria, mais seguro de si? E se,
neste outro momento, ela decidiu que queria se casar? E se, ao acaso ela
houvesse escolhido não se casar (e isso, não é sinônimo de ficar sozinha),
duvido que ela tenha engordado e se fodido, afinal, ela teria mais tempo pra
si, para se cuidar, fazer tratamentos de estética, academia, ir ao
nutricionista, ao salão de beleza; talvez ainda não tivesse filhos, então, seu
corpo não havia se modificado com gravidez alguma. Mais uma coisa, sobre as
pragas rogadas àquela garota: a gravidade chega no homem também. E, não são os
peitos do homem que caem. Varizes podem atingir ambos. Celulite não tem nada a
ver com idade, peso, sexo e raras são as mulheres que não tem nada. Portanto,
esse final, parece mais a versão de um garoto que até hoje tenta lidar com o
‘não’ que levou.
Agora, deixando o escracho de lado, entendo a frustração
sobre a negação e a expectativa não alcançada, muito mais do que imaginam. Sei
também que esta análise racional, em alguns pontos, nem sempre (ou quase nunca)
condiz com a vontade dos nossos desejos e emoções. Além do mais, existem várias
maneiras deliciosas de se aproveitar a vida - estando solteiro, namorando ou
casado; sendo jovem ou velho, mulher ou homem, em casa ou viajando, com amigos
ou até sozinho. Acho meio besta tentar enquadrar uma única maneira de
felicidade válida sendo, geralmente o homem, claro, jovem, solteiro, beberrão,
comedor e rico. Nem todas se atraem por esse estereótipo, sério. E, nós,
mulheres, também temos fantasias e ideais sobre o significado de aproveitar a
vida. Sentimos prazer, gostamos de gargalhar, ficamos bêbadas, sentimos tesão
(sim, ainda hoje, há quem negue), e fazendo tudo isso, podemos e devemos ser levadas a
sério, sim.
Então, rapaz, supera! Tem várias outras mulheres por aí e uma
delas, ou mais de uma, será perfeita em cada imperfeição que vocês dois irão
saber como preencher. Verdade. Só digo isso porque também acredito que podemos
nos completar em nossa incompletude.