sábado, 31 de janeiro de 2015

Quanto mais curto o conto, mais Freud tem

Fonte da Imagem: http://www.filosofiaclinicasc.com.br/artigo/discurso-incompleto-211

Há pouco, recebi uma mensagem pelo WhatsApp que deveria ter sido engraçada e, felizmente (sim, foi positivo), germinou uma semente na minha cabeça. Agora, cá estou eu, tentando fazer algo bom com essa inspiração.

Acredito que muitos já devem ter lido por aí o tal do ‘conto de fadas mais curto do mundo’ cuja história é a seguinte: “Era uma vez um rapaz que pediu a mão de uma linda garota: ‘Você quer se casar comigo?’ - disse o jovem. ‘Não!’ – respondeu a moça. E o garoto viveu feliz para sempre. Foi pescar, jogou futebol, conheceu muitas outras garotas, comeu todas, visitou muitos lugares, estava sempre sorrindo e de bom humor. Nunca lhe faltava grana; bebia cerveja com os amigos sempre que estava com vontade e ninguém mandava nele. A moça teve celulite, varizes, engordou, os peitos caíram, ficou sozinha e se fodeu.”

Bem, vamos por partes, pois tem muita coisa a ser dita. Em primeiro lugar, o conto em questão tem o humor tipicamente machista, daquelas mesmas histórias e piadas de sempre. Ok, até aí, nada de novo. Houve, acima, um dos lados de quem contou a história. Agora, também com humor, somado à uma pitada de sarcasmo feminino, peguemos a mesma história, criada com as palavras do narrador que se vê triunfado e, convido-lhes para perceber a ótica da outra personagem – a.k.a Vaca Que Disse Não.

Confesso, fiquei com um pouco de raiva ao ler e na hora, reescrevi a história. Na minha versão, bem mais legal, adivinha quem ficou pançudo, fodido, arrependido, sozinho, seboso e escroto no final? Pois sim. Contudo, logo percebi que isso não passava de uma vingancinha momentânea e infanta. Foi então, que... Há!

Sem querer alimentar a eterna “guerra dos sexos”, mas já fazendo isso, porque na real, a gente gosta (homens e mulheres). Existe algo em nossa sociedade atual chamada: direitos. Por vezes, em piadas machistas, estes homens se esquecem de algo muito simples quando se trata das mulheres que são satirizadas – o direito de escolha. Antes de qualquer coisa, a mulher (seja esta, ou outra moça), tem o direito de escolher se QUER ou NÃO se casar – independente dos motivos. E, às leitoras, conto-lhes, relendo a história, talvez tenha entendido o que nossa amiga pensou. Se prepara para o momento filosófico do dia, e viva o ócio criativo.

Uma das teorias, as quais podem tê-la feito recusar o pedido de casamento, é assim: O fato do rapaz ter levado um “não” na cara o fez desistir de um de seus objetivos maiores – casar-se com o suposto amor de sua vida. Após o ocorrido, ele passou a agir feito um galinha bêbado e imaturo, demonstrando nada além de sua incapacidade de lidar com situações de inconformidade. Dificuldade de superar obstáculos, pessoas que sempre estão no “play safe” e se conformam com qualquer merda – isso é um problema. Imaginem o quanto ela iria sofrer com esse cara. A sessão que seria para eles conseguirem andar pra frente, seja em seus relacionamentos, na vida, para ele progredir em sua carreira profissional, terem um filho, ampliarem o apartamento ou a cada upgrade que a vida lhes propusesse.

Outra coisa, talvez a menina seria uma corna, coitada. O jovem demonstrou que, como vários por aí, cultiva o vulgarmente chamado “instinto primitivo de macho”, cuja masculinidade é medida pelo número de parceiras. Portanto, caso ela escolhesse viver assim, estariam constantemente em pé de guerra, brigando, sempre desconfiada dos lugares onde ele iria para afogar suas mágoas na bebida, ou o ganso em lagoas alheias. Mas, ah, claro que com você, ele jamais faria isso por ser diferente dos outros. Talvez, seja o medo dele ser “domado” por um ser do sexo oposto - visto passagem da história contada por ele mesmo, na qual lemos: “bebia cerveja com os amigos sempre que estava com vontade e ninguém mandava nele”. Até onde eu aprendi, se entendi o conteúdo, Freud chama isso de ato falho. Ops!

Pergunto também: como poderia ele estar sempre com dinheiro se estava o tempo todo viajando, ‘pegando todas’ e bebendo? Para fazer tudo isso ainda jovem: ou ele já tinha din-din, vindo dum “paitrocínio”, ou teve a sorte grande de ganhar na mega sena, ou teve que passar bons anos trabalhando até conquistar a grana para poder fazer todas essas coisas quando bem entendesse e, quando pôde desfrutar disso, já havia deixado de ser o novinho pegador. Passou a ser um tiozão descolado, em companhia de uma molecada bacana, já que a maioria de seus amigos tiozões tinham suas esposas para dar satisfação.

Voltando à nossa amiga, acho que ela fez muito bem em ter dito não àquele  rapaz. Previu dores de cabeça, as quais ela não estava disposta a enfrentar. Isso demonstra sua inteligência, bem como objetivos e metas diferentes das esperadas pelo garoto. Nada contra aproveitar a juventude, beber até cair, passar o rodo, farrear... Mas se ele, na verdade, queria continuar festando com os amigos, poderia ter esperado um pouco mais para ter pedido a moça em casamento. Ele não deveria tê-la culpado, tentando amaldiçoá-la com um fim trágico daquele. Foi ele quem escolheu arriscar.

Quanto àquela moça, ora, duvido que tenha ficado sozinha. E se, ela conheceu um homem já sabendo o que queria, mais seguro de si? E se, neste outro momento, ela decidiu que queria se casar? E se, ao acaso ela houvesse escolhido não se casar (e isso, não é sinônimo de ficar sozinha), duvido que ela tenha engordado e se fodido, afinal, ela teria mais tempo pra si, para se cuidar, fazer tratamentos de estética, academia, ir ao nutricionista, ao salão de beleza; talvez ainda não tivesse filhos, então, seu corpo não havia se modificado com gravidez alguma. Mais uma coisa, sobre as pragas rogadas àquela garota: a gravidade chega no homem também. E, não são os peitos do homem que caem. Varizes podem atingir ambos. Celulite não tem nada a ver com idade, peso, sexo e raras são as mulheres que não tem nada. Portanto, esse final, parece mais a versão de um garoto que até hoje tenta lidar com o ‘não’ que levou.

Agora, deixando o escracho de lado, entendo a frustração sobre a negação e a expectativa não alcançada, muito mais do que imaginam. Sei também que esta análise racional, em alguns pontos, nem sempre (ou quase nunca) condiz com a vontade dos nossos desejos e emoções. Além do mais, existem várias maneiras deliciosas de se aproveitar a vida - estando solteiro, namorando ou casado; sendo jovem ou velho, mulher ou homem, em casa ou viajando, com amigos ou até sozinho. Acho meio besta tentar enquadrar uma única maneira de felicidade válida sendo, geralmente o homem, claro, jovem, solteiro, beberrão, comedor e rico. Nem todas se atraem por esse estereótipo, sério. E, nós, mulheres, também temos fantasias e ideais sobre o significado de aproveitar a vida. Sentimos prazer, gostamos de gargalhar, ficamos bêbadas, sentimos tesão (sim, ainda hoje, há quem negue), e fazendo tudo isso, podemos e devemos ser levadas a sério, sim.


Então, rapaz, supera! Tem várias outras mulheres por aí e uma delas, ou mais de uma, será perfeita em cada imperfeição que vocês dois irão saber como preencher. Verdade. Só digo isso porque também acredito que podemos nos completar em nossa incompletude.

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